Embaixador salvou centenas de vidas durante o Holocausto.
O Brasil teve seu próprio Oscar Schindler. Como o famoso empresário retratado no filme de Steven Spielberg, o diplomata Luiz Martins de Souza Dantas (1876-1954), embaixador brasileiro em Paris de 1922 até 1942, foi reconhecido oficialmente pelo Museu do Holocausto (Yad Vashem) em Jerusalém, por ter emitido centenas de vistos durante os anos mais duros da repressão nazista na Europa.
Sem alarde e lutando contra recomendações oficiais do governo Getúlio Vargas, Souza Dantas salvou comprovadamente 475 pessoas de morrerem em campos de extermínio.
O número certo de pessoas – judeus, homossexuais, comunistas e outras vítimas do nazismo – que encontraram a salvação graças à assinatura de Souza Dantas não é conhecido. O historiador carioca Fábio Koifman, 38 anos, diretor de Pesquisas da Universidade Estácio de Sá, acredita que possa passar de mil. Foi graças a Koifman e a seu livro Quixote nas Trevas, que o diplomata foi reconhecido, por unanimidade, com meio século de atraso, pelo conselho do museu, no último dia 2. Koifman deve ir a Jerusalém para a cerimônia, a ser realizada ainda este ano, na qual o diplomata receberá, postumamente, honrarias.
Só 18 diplomatas foram reconhecidos, até hoje, como »Justos entre as Nações» (denominação dada aos que arriscaram suas vidas para ajudar vítimas do Holocausto). Souza Dantas é o 19º. Não fosse por ele, o ator e teatrólogo polonês Zbignew Ziembinski, por exemplo, nunca teria chegado ao Brasil.
Outro que teria perecido na Europa seria o »anônimo» brasileiro, nascido em Antuérpia, Raphael Zimetbaum, 75 anos, morador do Rio.
– Ele falou para os meus pais e tios que tinha certeza de que estaria salvando as nossas vidas – conta Zimetbaum, que nunca conheceu o diplomata pessoalmente, mas o idolatra.
Na lista dos 18 diplomatas »justos» figura uma brasileira: Aracy de Carvalho-Guimarães Rosa, que foi assistente do embaixador brasileiro em Berlim durante a Segunda Guerra Mundial. Também pouco conhecida, ela salvou cerca de 80 pessoas, emitindo vistos por conta própria. O feito de Souza Dantas, no entanto, é considerado bem maior, não pela quantidade de pessoas a quem conseguiu dar asilo, mas pelo risco pessoal que correu.
Souza Dantas foi várias vezes advertido pelo Ministério das Relações Exteriores e ficou numa espécie de prisão domiciliar alemã por 14 meses. Além disso, escapou por pouco das penalidades de um inquérito administrativo aberto pessoalmente por Getúlio Vargas, em outubro de 1941. O processo só não foi até o fim porque, no ano seguinte, o Brasil cortaria relações com a Alemanha e Getúlio decidiu abafar o caso.
– Estamos muito felizes com o reconhecimento oficial. Naquela época, poucos governos estavam abertos a dar asilo às vítimas dos nazistas – diz Eitan Surkis, ministro conselheiro da Embaixada de Israel em Brasília. (Colaborou Pedro Malburg)